Na fase de liquidação de um processo de insolvência compete ao Administrador da Insolvência (AI) promover a venda dos bens que integram a massa insolvente, para que com o produto dessa alienação seja possível pagar as dívidas do(s) insolvente(s) (vide Art.º 55/1/a do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, doravante CIRE).
Deste modo, deverá proceder à sua alienação por qualquer uma das modalidades admitidas ao abrigo do Art.º 811 do Código de Processo Civil (doravante CPC), nomeadamente através de propostas à carta fechada, negociação particular ou de leilão eletrónico, recaindo sobre aquele órgão da insolvência a escolha da modalidade mais vantajosa para a massa insolvente, devendo ser dada preferência a esta última modalidade (vide Art.º 164/1 do CIRE, alterado pelo DL n.º 79/2017, de 30 de junho).
Neste ponto, torna-se útil interrogarmo-nos se, após a realização de uma modalidade de venda (concluídas com propostas válidas), poderá, a posteriori, o AI utilizar uma outra das modalidades de alienação previstas, se houver informação ou proposta nesse sentido?
Em primeiro lugar, todas as diligências que se afigurem necessárias à concretização da venda são única e exclusivamente da competência do AI. Por exemplo, no caso de o AI optar por realizar o leilão eletrónico, “(…) qualquer utente inscrito na plataforma pode apresentar proposta sobre os bens que se encontram em leilão.” (vide Art.º 7 do Despacho n.º 12624/2015), devendo o AI “(…) dar cumprimento a toda a tramitação da necessária para que a proposta de considere aceite (…) nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada” (vide Art.º 8/10 do Despacho n.º 12624/2015).
Contudo, poderá suceder que o AI, já após o terminus do leilão eletrónico receba, através de outra modalidade para alienação, e.g., proposta em carta fechada, uma proposta substancialmente superior à melhor licitação recebida por leilão eletrónico.
Portanto, o que deve fazer o AI nesta situação? Aceitar a proposta mais elevada, ou vincular a Massa Insolvente ao resultado do leilão eletrónico?
A jurisprudência maioritária parece caminhar no sentido de que o AI não ficar vinculado à melhor licitação obtida em leilão eletrónico. Veja-se que no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2017, relativo à negociação particular, ficou firmado que “(…) o facto de o AI não ter ouvido um interessado antes de ter procedido à venda por negociação particular de um imóvel que integrava a massa insolvente, por preço inferior àquele que esse interessado já havia oferecido e não havia sido, não constitui uma nulidade processual (…)”.
No entanto, o proponente com proposta válida ao leilão eletrónico ao ver frustradas as suas expetativas de compra (acauteladas pelo Art.º 24 da Portaria 282/2013) poderia avançar com um pedido de nulidade do ato de aceitação dessa proposta, por falta de fundamento de não aceitação da anteriormente apresentada e legalmente válida por parte do AI (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.2017).
Mas, o Art.º 26/1 da mesma Portaria (Cfr. Art.º 17/1 do CIRE e 830 e 831 do CPC) deixa bem claro que, mesmo recebida uma proposta válida na modalidade de leilão eletrónico, compete ao sempre ao AI “(…) a decisão de adjudicação dos bens (…)”.
É por esse motivo que o dever de diligência de um AI criterioso e ordenado (vide Art.º 59/1 do CIRE) “(…) é apenas concretizável caso a caso e só pode relevar-se em contextos em que o administrador goza de autonomia para decidir […] sem qualquer subordinação.” à autoridade judicial (veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2018).
Reforça-se, ainda, que o AI se encontra vinculado ao Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei 22/2013, que reforça no seu Art.º 12/2 que o AI deve “(…) atuar com absoluta independência e isenção (…) devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores (…)”.
Retomando ao caso sub judice e de acordo com o Art.º 161/4 do CIRE, parece razoável que além de manter os autos informados, o AI, antes de celebrar o negócio com o proponente mais recente e extemporâneo, devesse informar sempre o antigo proponente (que obteve a licitação mais alta na modalidade de leilão eletrónico), dando-lhe a conhecer as condições do negócio particular com 15 dias de antecedência, para que assim lhe fosse possível fazer a melhor oferta.
Contudo, fica claro que a possível nulidade processual – requerida pelo proponente ao leilão eletrónico – nunca poderia conduzir a uma responsabilização do AI, uma vez que a sua conduta estaria em consonância com a finalidade que estrutura todo o CIRE e está bem patente logo no seu Art.º 1: (…) a satisfação dos credores (…).
Mas o inverso já poderia suceder: no caso de os credores virem a tomar conhecimento de que o AI rejeitou uma proposta que poderia vir a satisfazer os seus créditos ou satisfazê-los na íntegra, poderão responsabilizar civilmente o AI (trata-se de responsabilidade extracontratual, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2018 e ainda o Art.º 483 do Código Civil).
A favor desta posição estão os poderes de que os credores são investidos durante todo o processo de insolvência. Vejamos: são eles que têm o poder de decidir recuperar a empresa (Art.º 17-F/3), avançar com um plano de insolvência (Arts.º 209 e 210) ou liquidar todos os bens do insolvente (vide Art.º 161).
A solução que se nos afigura como razoável, salvo melhor entendimento, é de que a referida proposta, ainda que extemporânea, deverá ser aceite pela massa e, posteriormente, emitido o título de adjudicação para se proceder à venda do bem em causa.