A sentença declaratória de insolvência marca o início da fase executiva do processo de insolvência que integra a reclamação, verificação e graduação dos créditos sobre a insolvência – que sejam certos, líquidos e exigíveis – na qual o juiz deverá designar um prazo até 30 dias para os credores poderem reclamar os seus créditos (Art.º 36 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE) através de requerimento próprio dirigido ao Administrador da Insolvência (AI).
A este propósito, urge tratar de duas questões fundamentais relativas à prova da existência efetiva do crédito a reclamar: por um lado, a prova que verá ser feita pelos credores para comprovar a efetiva existência do seu crédito sobre o insolvente; por outro lado, qual será a prova relevante de que o AI efetivamente recebeu e/ou analisou o requerimento de reclamação desses créditos.
Quanto à primeira questão, dispõe o Art.º 128/1 do CIRE que esse requerimento deverá conter a proveniência do crédito, a data do seu vencimento, o montante de capital e de juros, as condições a que estejam subordinados, a sua natureza (caso sejam créditos garantidos, acresce a identificação dos bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral), a existência de eventuais garantias pessoais, com a identificação dos garantes e, por fim, a taxa de juros moratórios aplicável. Ou seja, nesta fase, a prova documental reveste a maior importância uma vez que será através da análise de contratos ou confissão de dívidas, por exemplo, que o AI estará em condições de reconhecer um determinado crédito ou não (vide Art.º 363 do Código Civil). Além disso, o AI deverá também reconhecer os créditos refletidos na contabilidade ou que de outra forma tenha conhecimento, segundo o Art.º 129/1 do CIRE. Contudo, como demonstra a prática, os elementos contabilísticos são, muitas das vezes, imprecisos, pouco documentados e até manipulados para obter vantagens ao nível fiscal, pelo que o AI se poderá eximir da sua análise baseando-se na falta de credibilidade da mesma. No que concerne aos créditos que o AI tenha conhecimento de outra forma, mesmo no caso de outros processos, apensos ao processo de insolvência em que se reclamem eventuais créditos sobre o insolvente, tal “(…) não é suficiente para que se afirme que o Administrador tinha conhecimento da existência de tais créditos e que, por isso os devia incluir na lista de créditos reconhecidos, uma vez que é necessário que se comprove efetivamente a sua existência (…)”, segundo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.07.2008. Contudo, posteriormente, um Acórdão do mesmo Tribunal datado de 30.04.2009 caminha em sentido diverso uma vez que afirma que o AI se deve bastar com a existência do crédito que esteja “(…) suficientemente indiciada nos autos (…)”.
Ademais, não poderemos descurar que o atual Código da Insolvência enceta em si um movimento de desjudicialização do processo de insolvência (tal como resulta do seu Preâmbulo) e desse modo, na fase de reclamação de créditos, a “(…) existência do crédito e das garantias ou privilégios de que beneficia, resulta da apreciação feita pelo administrador da insolvência, compreendendo-se assim que a impugnação seja dirigida contra a lista dos credores reconhecidos, e não contras as reclamações (…)”, tal como confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.04.2017.
Quanto à segunda questão, trata-se de saber, em concreto, o caso de um crédito ter sido reclamado pontualmente e cumpridos todos os trâmites supra previstos, não vir a constar da lista de créditos reconhecidos. Tal poderá suceder, por exemplo, por lapso do AI em não ter sequer analisado o requerimento de reclamação de créditos e, consequentemente, não proceder ao aviso, nos termos do Art.º 129/4. Atendendo à complexidade da transmissão por correio eletrónico (complexidade que já não se assiste por remessa através de via postal registada), como é que por exemplo, se prova que o e-mail foi efetivamente recebido pelo AI? De acordo com a jurisprudência, especificamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07.06.2018, considerou-se que “(…) o legislador parte do princípio de que os equipamentos são, por regra, fiáveis e asseguram, na esmagadora maioria dos casos, a perfeita receção do documento. (…)”. Note-se que para a lei basta que a declaração chegue ao poder do destinatário, em condições de ser por ele conhecida, para se tornar eficaz, revelando-se indiferente que tome ou não efetivo conhecimento do respetivo conteúdo (de acordo com o preceituado no Art.º 224/2 do Código Civil). Contudo, o douto Acórdão ignorou por completo o disposto no Art.º 128/3 in fine quando preceitua que o AI deverá “(…) enviar ao credor no prazo de três dias da receção, comprovativo do recebimento (…)”. Ora, parece ser esse o comprovativo do recebimento que, efetivamente, consubstancia na prova de que o credor necessita para atestar o envio da sua reclamação e não o disposto na lei geral maxime no Código Civil.