No processo de insolvência, as Instituições de Crédito (ICs) surgem frequentemente como credores em processos de insolvência. Deste modo, torna-se pertinente entender duas questões fundamentais. Em primeiro lugar, serão as medidas estabelecidas pelas ICs eficazes na prevenção do incumprimento dos contratos bancários? Em segundo lugar, será que a regulação existente acautela convenientemente uma concessão de crédito responsável?
O DL n.º 227/2012, de 5 de outubro, foi criado para reduzir o incumprimento dos contratos bancários, instituindo o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), o qual visa o estabelecimento de procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito, possibilitando a deteção de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento de clientes que comuniquem dificuldades no cumprimento dos contratos. De todo o modo, tratar-se-á de um procedimento interno, o qual deverá contemplar indicadores que sejam suscetíveis de alertar para a “(…) degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito (…)” e, caso seja viável, apresentar “(…) soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em risco efetivo de incumprimento (…)”, conforme estipula o seu Art.º 11. Logo se depreende que este DL “(…) não tem aplicação aos contratos de crédito celebrados entre instituições bancárias e pessoas coletivas e aos respetivos fiadores mesmo que estes sejam pessoas singulares”, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.10.2017, uma vez que, de acordo com o Art.º 2/1, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) será apenas aplicável aos contratos com os consumidores na aceção dada pelo Art.º 1-B/a do DL n.º 67/2003, de 8 de abril. Assim, o cliente bancário que esteja em mora há mais de 15 dias e que assim permaneça, será obrigatoriamente integrado pela IC em PERSI entre o 31º e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (vide os Arts.º 13 e 14) por iniciativa da IC (Art.º 14/1) ou a pedido do próprio cliente (Art.º 14/2). Segue-se a fase de avaliação da capacidade financeira do cliente bancário para apurar se o incumprimento “(…) se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se […] esse incumprimento reflete a incapacidade em cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos para o contrato de crédito”. O resultado da referida avaliação é sempre reportado pela IC, e poderá ser um de dois (Art.º 15/4): ou resulta que o cliente não consegue reverter a situação de incumprimento, ou, o cliente consegue reembolsar o capital ou pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito, designadamente através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito. Seguem-se as negociações destas propostas, reguladas pelo Art.º 16, estando vedados às ICs os seguintes atos: a) resolver o contrato de crédito, b) intentar ações judiciais, c) ceder a terceiro parte ou totalidade do crédito, ou d) transmitir a terceiro a sua posição contratual. Esta fase de negociações termina com: i) o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção da obrigação em causa; ii) com a obtenção de um acordo com vista à regularização integral da situação de incumprimento; iii) com a declaração de insolvência do cliente bancário; iv) ou no 91º dia após a integração do cliente no PERSI (salvo se o prazo for prorrogado) a IC deverá comunicar ao cliente bancário a extinção do PERSI, conforme indica o Art.º 17/3 (e, do mesmo modo, a comunicação de integração no PERSI, prevista no Art.º 14/4) e, tratando-se de uma declaração reptícia (vide o Art.º 224/1 do Código Civil), a IC deverá estar em condições de provar através de, por exemplo, um aviso de receção, um registo ou uma referência posterior a essa carta. Pois, a inobservância destas disposições poderá, por exemplo, inviabilizar a procedibilidade de uma ação executiva proposta pela IC contra o cliente bancário (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018).
Relativamente à segunda questão anteriormente colocada, o DL n.º 133/2009, de 2 de junho estabeleceu condutas que deverão ser observadas pelas IC tendo em vista à concessão responsável de crédito para proteção do consumidor. Regula-se a questão da publicidade agressiva do crédito bancário que, de entre os vários requisitos, frisa-se a indicação da TAEG para cada modalidade de crédito “(…) mesmo que este seja apresentado como gratuito, sem juros ou utilize expressões equivalentes” (Art.º 5). Prevê-se, ainda, o direito de livre revogação do contrato de crédito no Art.º 17, o qual dispõe que “o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de revogação do contrato de crédito, sem necessidade de indicar qualquer motivo”. Deste modo, afasta-se do direito de livre resolução previsto no Art.º 19/1 do DL n.º 95/2006, de 29 de maio, referente aos “contratos à distância relativos a serviços financeiros”, o qual poderá ser também exercido “(…) sem necessidade de indicação do motivo e sem que possa haver lugar a qualquer pedido de indemnização ou penalização do consumidor”. Contudo, estamos perante o instituto da resolução, o qual determina, em termos gerais, que deverá ser reconstituída a situação anterior à celebração do contrato, neste caso, através da restituição. É assim que dispõe o Art.º 24 ao estipular que a IC, caso “(…) tenha recebido quaisquer quantias a título de pagamentos dos serviços, fica obrigado a restituí-las ao consumidor (…), tal como “(…) o consumidor restitui ao prestador quaisquer quantias ou bens dele recebidos (…)”. Já o direito de revogação do crédito bancário, o consumidor deverá “(…) pagar ao credor o capital e os juros vencidos a contar da data de utilização do crédito até à data de pagamento do capital (…)”, segundo o Art.º 17/4 do n.º 133/2009. Caso, efetivamente, seja celebrado um contrato de crédito entre a IC e o cliente bancário, aquela Instituição deverá sempre respeitar o dever que sobre si impende de prestar informação clara, completa e verdadeira, quer se reporte ao momento anterior à celebração do contrato (Art.º 6) ou durante a sua vigência (Art.º 14).