No início do mês de janeiro do corrente ano, o Banco Nacional Angolano (BNA) decidiu, através de Comunicado, revogar a autorização da atividade bancária relativamente a dois Bancos angolanos – o Banco Mais e o Banco Postal – e requereu a falência de ambos. Ao contrário do que sucede no direito da insolvência português, no qual as Instituições Financeiras não estão abrangidas pelo disposto no Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, (vide Art.º 2/2 do CIRE), no direito angolano, embora com algumas especificidades, a falência daquelas entidades está, em grande parte, sujeita ao regime de falência, previsto no Código de Processo Civil (CPC) angolano. É um regime que só recentemente é que começou a ser dotado de aplicabilidade prática uma vez que, desde a independência de Angola até à aprovação da Lei de Bases do Investimento Estrangeiro de 2013 (Lei n.º 11/03, de 13 de maio), o tecido empresarial era constituído, maioritariamente, por empresas públicas. Deste modo, afigura-se pertinente percorrer as disposições do regime falimentar angolano, sabendo que o normativo referente aos devedores comerciantes se encontra positivado nos Arts.º 1135 a 1312 do CPC angolano de 1961, uma herança pré independência. Assim, os sujeitos passivos da declaração de falência são os comerciantes, seja em nome individual ou em sociedade (Art.º 1174) e também os sócios de responsabilidade ilimitada (Arts.º 1291). No que respeita à legitimidade ativa, pertence ao próprio comerciante, a qualquer credor do comerciante – apenas quando tiver como fundamento a cessação de pagamentos e desde que não seja o cônjuge ou parentes do devedor, que representam, grosso modo, o universo dos credores subordinados -, e ainda o tribunal, a título oficioso e desde que o comerciante se apresente à falência mas não a requeira. Contudo, quando está em causa a falência de uma Instituição Financeira é ao BNA – a autoridade de supervisão – que pertence a legitimidade para revogar a autorização para o exercício da respetiva atividade e solicitar ao Procurador Geral da República que requeira o decretamento da falência, o qual terá por fundamentando a verificação de risco sério, conforme dispõe o Artº. 134/3 da Lei de Bases das Instituições Financeiras. Como é do conhecimento do público em geral, a decisão do BNA foi controversa, surgindo duas correntes doutrinárias em relação à revogação dirigida ao Banco Mais e ao Banco Postal. Por um lado, pugnou-se que antes de proceder à revogação, o BNA deveria ter aplicado multas e, paralelamente, aplicar as providências extraordinárias de recuperação e só depois de frustradas é que deveria ser requerida a falência da Instituição Financeira. Estas providências especificas, não se confundem com as previstas no regime comum, a saber: a concordata e o acordo de credores. Por outro lado, defende-se que o BNA procedeu nos trâmites legais ao aplicar os Arts.º 16/1, 15/c e 29/1/b daquela lei, uma vez que estavam em causa elementos estruturais da entidade financeira, necessários à prossecução da atividade bancária. Qualquer que seja a corrente adotada, não poderão deixar ser consideradas as eventuais motivações políticas subjacentes à decisão do BNA, nomeadamente, referentes ao acordo entre o país africano e o FMI.
Destarte, decretada a falência destes Bancos, os trâmites subsequentes de falência estão regulados no CPC angolano, nomeadamente, no que se refere à liquidação e à qualificação da falência. Ora, no Art.º 135 da LBIF, referente ao regime de liquidação, dispõe-se que o Administrador da massa falida é nomeado pelo juiz – tal como sucede no regime comum de falência – mas aqui, sob proposta do organismo de supervisão – o BNA .
No que concerne à qualificação da falência, o CPC angolano distingue entre “falência causal”, a qual corresponde à insolvência fortuita prevista no CIRE português; a “falência culposa” (Art.º 1276 do CPC) quando provenha de incúria, imprudência ou prodigalidade manifesta do falido, este tenha consumido parte apreciável do seu património em jogo de azar ou o falido tenha deixado de cumprir as disposições que a lei estabelece para a regularidade da escrituração comercial (por outras palavras, a contabilidade organizada). Por fim, a falência poderá ainda ser qualificada como “falência fraudulenta”, ao abrigo das situações tipificadas no Art.º 1277 do CPC angolano. Note-se a qualificação da falência como fraudulenta ou culposa, importam pena de prisão à semelhança do que acontece, no caso português, para o crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo Art.º 227 do Código Penal português. A qualificação da falência de Instituição Financeira, segue também os trâmites previstos no CPC, pois o Art.º 135/3 da LIF dispõe que “Os administradores que sejam julgados culposa ou dolosamente responsáveis pela falência respondem com o seu património pessoal pelo integral pagamento das dívidas da instituição”. Deste pequeno excurso, afigura-se inevitável considerar o regime falimentar angolano desadequado à realidade empresarial uma vez que a filosofia que lhe está subjacente é a da falência-liquidação, surgindo com caráter sancionatório, pretendendo-se, ao invés, um regime assente na falência-saneamento, seguindo uma corrente que vise a recuperação da empresa quando ainda é possível, i.e., criando normas insolvenciais de cariz preventivo da falência. Para acautelar os interesses do Estado Angolano, pretende-se um Código de Falências atualizado, que preveja mecanismos de recuperação de empresas céleres e eficazes, à semelhança do Processo Especial de Revitalização no caso português, estipulando-se também disposições que acautelem os interesses nacionais face ao investimento estrangeiro.