Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deverá “(…) condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios” devendo “fixar o valor das indemnizações devidas ou (…) os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença”, conforme preceitua o Art.º 189 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Aparentemente, parece tratar-se de um preceito que tutela de forma eficaz os interesses dos credores, mas a sua aplicação prática não é isenta de problemas. Em primeiro lugar, cumpre questionar quem é que serão os beneficiários dessas indemnizações, i.e., serão os credores ou a própria massa insolvente? No silêncio da lei, a doutrina divide-se: uma parte, considerando o estado do processo e a determinação dos créditos reconhecidos e não satisfeitos, pugna que as indemnizações devem ser pagas à Massa Insolvente (MI) na pendência do processo ou, findo este, aos credores; outra parte, considera que estes valores, independentemente do estado do processo, deverão ingressar na MI pois, a adoção de uma solução diversa conduziria, muito provavelmente, atenta a questão temporal, à possibilidade de surgirem violações ao principio da igualdade de credores e à inobservância da graduação dos créditos anteriormente realizada. No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.04.2017, considerou-se que a sentença de qualificação de insolvência culposa consubstancia um título executivo, à luz do disposto nos Arts.º 10/5, 703/1/a e 704, todos do Código de Processo Civil. Mas, a quem caberá prosseguir, neste caso, com a ação ou ações executivas destinadas ao cumprimento dessa sentença? Mais uma vez, a lei é omissa quanto a este aspeto e, por esse motivo, propõe-se a invocação do Art.º 82/3/b do CIRE, o qual dispõe que “(…) durante a pendência do processo de insolvência, o administrador de insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir as ações destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência”. Ora, se atentarmos ao disposto no Art.º 188/1 do CIRE, relativo à tramitação do incidente de qualificação da insolvência, o AI pode juntar Parecer de qualificação de insolvência (PQI) nos “(…) 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o Art.º 155 (…)”. Este Parecer de caráter facultativo, deixa de o ser no caso de ser apresentado requerimento de qualificação de insolvência por qualquer outro interessado, e, neste caso, o Parecer do AI é obrigatório (vide Art.º 188/3 do CIRE), podendo o juiz determinar a sua apresentação à luz do princípio do inquisitório (vide Art.º 11 do CIRE), pois “(…) é um elemento determinante na decisão do incidente de qualificação da insolvência (…)”, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.01.2018. Atento o caráter urgente do processo de insolvência, o legislador parece ter estabelecido aquele prazo de 15 dias uma vez que, com o Relatório do AI (Art.º 155 do CIRE), segue também o Inventário dos bens e direitos integrados na MI, com a indicação do seu valor, natureza e característica (Art.º 153 do CIRE). Deste modo, o disposto no PQI deverá logo determinar, em consonância com o Inventário, a quantia a ser satisfeita pelos afetados pela sentença de qualificação de insolvência e pedir ao Tribunal que a indemnização devida seja computada através de simples cálculo aritmético. A este propósito, a conjugação das normas dos Arts.º 189/2/b e 189/4, ambos do CIRE, é controversa: parte da jurisprudência considera que na atribuição da indemnização deverá ser apenas efetuada uma operação matemática simples, i.e., subtrair dos créditos reconhecidos aqueles que já foram satisfeitos no processo de insolvência, correspondendo o resultado ao valor da indemnização devida pelos afetados pela qualificação da insolvência (Art.º 189/2/a do CIRE). Outra parte dos Tribunais, entende que a referida indemnização deverá ser calculada em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal. Esta é a interpretação do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão de 16.06.2015, proferido em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, o qual é desprovido de força obrigatória geral. Contudo, independentemente da forma de realizar o cálculo das indemnizações devidas pelos afetados pela qualificação da insolvência, no caso da empresa insolvente não possuir bens mas os seus gerentes (de direito ou de facto), administradores, contabilistas ou outras pessoas com ligação à empresa terem sido condenados na obrigação de indemnizar os credores, o processo não deverá ser encerrado por insuficiência de massa (vide Art.º 232 do CIRE). Estes valores deverão ser pagos à MI, que se arroga na titularidade desse direito, em representação de todos os credores, através da respetiva ação executiva para pagamento de quantia certa. A legitimidade para propor estas ações será do AI pois, se assim não fosse, os credores iriam ficar sujeitos à regra do Art.º 794 do CPC, a qual “(…) visa impedir a sobreposição de direitos sobre os mesmos bens, criando assim uma regra de prioridade temporal (…)”, conforme dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.01.2019, sendo satisfeitos apenas os credores que mais rápido conseguissem penhorar os bens dos condenados a indemnizar em sentença de qualificação de insolvência. Só depois de estes valores ingressarem na MI é que o AI os irá distribuir, observando as regras aplicáveis à liquidação e rateio, assegurando assim o tratamento igualitário entre credores, apenas cessando nessa altura as suas funções no processo (Art.º 233/1/b do CIRE).